segunda-feira, 20 de abril de 2015

XIV Acampamento de Cultura Afro da Região Sul


Este evento vem se solidificando há muitos anos sob a coordenação e dedicação de Vera Duarte.




Culturas e saberes  aprendidos durante o evento:

 Um índio encontrou um filhote de sucuri e a levou para sua oca. Passou a cuidar muito bem dela...colocou-a em sua rede para dormir ao seu lado. Com o passar do tempo, percebeu que ela sempre se esticava quando deitava ao seu lado.
Não compreendendo o motivo pelo qual a sucuri fazia aquilo foi pedir conselho ao sábio da aldeia ( o pajé).
"Cuido bem da sucuri mas ela sempre se estica ao meu lado", disse ao pajé.
Este com a calma e a paciência de quem viveu muito lhe respondeu:
"Ela está te medindo, ela vai te comer!"

(contada por Onir Araujo - Movimento Negro Unificado - MNU)

Chegando em São Lourenço


Vera Duarte



Jorge Cruz, Mestre Prudêncio, Mestre Pernanbuco 

Professora de Português Irlanda Projeto Face de Ébano

A linda professora de dança Raquel


Turma das Danças Étnicas - FURG  Raquel e eu com nossas "saias ao vento"



Apresentação de Coral

domingo, 5 de abril de 2015

Saias ao vento




Que "saias ao vento" e nesse rodopio voluptuoso te sintas abraçada por Iansã com toda a sua realeza!
E nessa dança de invisível circularidade que Ela seja a senhora dos teus caminhos...e por que não dos descaminhos?
Que sintas a corrida do vento num envolvente esconde-esconde com as copas das árvores, certo de que será, sempre, o vencedor!
Que este búfalo que por vezes te açoita e perfuma o universo com tua energia, seja a bússola que redireciona tua caminhada.
Acaso  Matisse  presenciasse  esta cena, um conselho  certamente a ti daria: sê feliz  simplesmente!

Aula inaugural UNIAFRO - HOTEL EMBAIXADOR - PORTO ALEGRE





Aula Inaugural do Curso Uniafro Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação

 Palestra proferida pelo prof. Dr. em Filosofia USP Kabengele Munanga em 26/07/14.



   "A diversidade e suas diferenças fornecem a matéria- prima utilizada nos processos de construção de todas as identidades individuais e coletivas. Essa matéria-prima está na geografia dos corpos das pessoas e sociedades, em suas histórias, em suas culturas, incluindo as línguas e seus traços psicológicos ou comportamentos coletivos."  
  

"O conhecimento antropológico da “nossa cultura” passa inelutavelmente pelo conhecimento das “outras” culturas e conduz a reconhecer notadamente que somos apenas uma cultura possível no meio de tantas outras e não a única. Apesar do estranhamento da diferença na percepção do outro nos contatos humanos, o “outro” deve ser considerado como contemporâneo e igual sem degradação da diferença em desigualdade. Mas não é isto que acontece nos cotidianos das relações entre seres e sociedades humanas. Mas por que?


"A essas diferenças naturais inatas que fazem de nós, brancos, negros, amarelos; homens, mulheres, jovens, velhos, se acrescentam outras diferenças de ordem cultural e socioeconômica. Pertencemos todos às sociedades humanas que criaram e desenvolveram culturas. Cada sociedade tem a sua herança própria, a sua cultura. Isto é, a totalidade de maneiras de viver, de trabalhar, de pensar e a totalidade daquilo que resulta dessas atividades (instituições, educação, filosofia, organização social, religião, etc). Cada sociedade criou uma cultura e cada cultura repousa numa sociedade. Daí o sentido da universalidade da cultura. Pertencemos também às sociedades que política e economicamente criaram classes sociais: ricos, médios, pobres e miseráveis."


"Classificação hoje abandonada pelos próprios cientistas que chegaram à conclusão de que “biológica e cientificamente, as raças não existem”. No entanto, o abandono científico dessa classificação não significa que ela deixou de resistir no imaginário e na consciência coletivos da sociedade do século XXI e nem, tampouco, significa que o racismo enquanto ideologia e crença derivadas do conceito de raça deixou de existir e de criar vítimas nas sociedades humanas do século XXI."


"As diferenças biológicas, que fazem com que sejamos homens e mulheres; brancos, negros e amarelos; jovens e velhos, etc. São inatas. Ninguém escolheu pais brancos, negros ou amarelos, antes de nascer; ninguém escolheu para ser homem ou mulher; ninguém pode escolher para permanecer eternamente jovens ou para não envelhecer. Todo começa com o “mistério” da procriação. Naturalmente, dois indivíduos de sexos diferentes: o pai e a mãe, se associam para formar um terceiro indivíduo: a criança. Este recebeu para nascer a metade da coleção dos “genes” do pai e da mãe.


  
"O conceito de raça, que teria servido na explicação científica dessa variabilidade, desembocou, infelizmente, numa classificação hierarquizante das chamadas raças em superiores e inferiores, de acordo com as diferenças de pele e outros traços morfológicos. Os cientistas estabeleceram relações intrínsecas entre raças e culturas, raças e inteligência; raças e qualidades morais e psicológicas; raças e características estéticas. Assim, as pessoas de pele mais clara que pertencem à raça dita branca foram decretadas mais inteligentes, mais honestas, mais bonitas, mais habilitadas para dirigir e mandar; enfim, para dominar."


"No campo da religiosidade, a história da humanidade é repleta de conflitos e guerras por conta das diferenças entre os caminhos para se comunicar com Deus. Conhecemos todas as histórias das guerras santas ou jihad, das cruzadas, das inquisições na península ibérica. Sabemos dos conflitos entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte; dos conflitos entre muçulmanos e católicos na Nigéria e outras partes do mundo, etc. Se Deus é o mesmo para todos, os caminhos para chegar a ele é que são diferentes, mas por que os caminhos se conflitam? Justamente por que os caminhos são impregnados de intenções e interesses políticos e econômicos."

                                                           
"Não creio que Deus mandou aos homens e mulheres brigarem em nome Dele! As ideologias fascistas e os nacionalismos nascentes, como o nazismo por exemplo, se cobriram também da máscara científica das raças superiores e inferiores para justificar e legitimar o holocausto de milhões de judeus e ciganos na segunda guerra mundial."


  
"(…) muitas vezes, por preconceitos recebidos em alguns modelos de educação, faz-se um julgamento generalizado dos outros, classificando-os em uma escala de valores, não em função das qualidades ou dos defeitos que eles manifestam (cada um de nós tem qualidades e defeitos), mas em função do grupo ao qual pertencem. Ele é negro, logo é...: é índio, logo é...: é judeu ou árabe, logo é...: é mulher, logo é,,, Este tipo de julgamento é justificado? Não! Para que o fosse, seria necessário que essas pessoas pudessem ser classificadas em grupos mais ou menos homogêneos, isto é, não hierarquizados. Seria necessário, em seguida que as qualidades e os defeitos (coragem, covardia, inteligência, estupidez, lealdade, desonestidade) pudessem ser atribuídas a todas as “raças”, sociedades, homens e mulheres.


A própria ciência que teorizou e hierarquizou as chamadas raças, chegou à conclusão, a partir da segunda metade do século XX, de que as raças não existem. Mais do que isso, não há relação entre raças e inteligência. No entanto, os preconceitos são universais e existem em todas as culturas e sociedades humanas. A questão se coloca quando eles são transformados em armas ideológicas para justificar a violência, a dominação, a exploração e a exclusão dos outros. A maioria dos grupos humanos usou da força para fazer triunfar suas ideias ou para adquirir rapidamente novas riquezas. As nações fizeram a guerra para se desembaraçar de um vizinho incômodo, ameaçador ou mais rico. Hoje, as armas de destruição, além de ser fontes de riquezas, são tão eficazes que uma guerra entre grandes potências destruiria a Humanidade."


"As diferenças constituem uma fonte insubstituível de enriquecimento; a própria sobrevivência da humanidade está nas diferenças e na diversidade delas resultante. Um outro caminho existe. Ele consiste em considerar com calma cada conflito. Descobre-se que o desentendimento pode ser fonte de enriquecimento. Uma opinião diversa da minha, um modo de se comportar oposto ao meu, obriga-me a refletir. Eu me questiono, o que enriquece minha maneira de ver, de pensar e de agir. Enfim, o outro me faz progredir e me ajuda na construção da minha personalidade. Não se trata de aceitar, sem refletir, os modismos ou de ser um cata-vento girando aos quatro ventos. Trata-se somente de se abrir ao mundo exterior, de ficar atento aos outros; ou seja, se estar pronto a compreender, reagir e construir. O racismo somente será vencido quando nós soubermos dizer ao outro “muito obrigado”, tanto maior quando maiores entre nós."

"Algumas nações se consideram superiores às outras porque existem essas outras. O que seria a humanidade de fôssemos todos a mesma coisa: uma grande pobreza! Um ato humano pode ser considerado como uma discriminação só quando os três momentos seguintes são simultaneamente consumados: a percepção da diferença, a valorização da diferença percebida e sua utilização em favor de si ou do próprio grupo e em detrimento do outro ou do seu grupo."
  

"(...)o que nós brasileiras e brasileiros temos a ver com este triste quadro? Não somos preconceituosos, nem racistas. Os racistas são ou foram os outros: os brancos da África do Sul que inventaram o apartheid, regime segregacionista que o povo da África do Sul na liderança do saudoso Nelson Mandela conseguiu derrotar. Os racistas são os brancos do Sul dos Estados Unidos que desenvolveram outro sistema de segregação racial denominado “Jim Crow”. Quantos  vezes escutamos alguns responsáveis de escolas e professores dizendo que em suas escolas não tem esse problema, ou seja, não tem preconceito e práticas racistas entre alunos com base na diferença cor da pele. Aqui está a peculiaridade do preconceito e do racismo à brasileira que alguns mais generosos chamaram de preconceito cordial.  Um preconceito racial mais difícil de combater do que lá onde foi explícito e sustentado pelas leis. Como se manifesta então esse nosso preconceito que o grande sociólogo Florestan Fernandes chamou de “preconceito de ter preconceito”?
Perguntado para as mesmas pessoas se elas não se importariam que suas filhas casassem com uma pessoa negra, as respostas revelaram contradições até entre as pessoas que declararam não ser racistas, na medida em que não viam com bons olhos o casamento inter-racial entre pessoas brancas e negras. Essas pessoas mostraram preocupação em ter netos/as mestiço/as que sofrerão também preconceito racial na sociedade e reprovaram o casamento inter-racial, deixando clara a ambiguidade que permeia a apologia da mestiçagem como símbolo da identidade nacional brasileira."


"Em casa de enforcado não se fala de corda, é um dos princípios da educação brasileira. Quando se fala de negro entre branco e negro, o branco prefere dizer “aquele moreno” ou “aquela moreninha”, mas em contexto de conflito aquele moreno ou aquela moreninha se tornam apenas neguinho ou neguinha metido/a. Geralmente, num campo de pelada de futebol, o jogador negro é o único que não tem nome próprio, pois apelidado simplesmente “negrão”. Diz-se que é carinhoso, mas eu nunca escutei a reciprocidade, ou seja, o jogador negro chamando outro, branco, de “brancão”."

"Quando se fala da beleza feminina, diz-se “uma mulher linda” quando se refere a uma mulher branca e quando se trata de mulher negra, diz-se uma “mulher negra linda”. Vice-versa, diz-se a mesma coisa a respeito da beleza masculina: “fulano é um homem lindo”, quando se refere a um homem branco e “fulano é um negro lindo”, quando se trata do homem negro, como para insinuar que a beleza negra é uma exceção que precisa adjetivar, enquanto que a beleza branca é uma regra geral que dispensa adjetivação."

  
"O silêncio, o não dito, é outra característica do racismo à brasileira. Como disse Ali Wiesel, judeu Nobel da Paz, “o carrasco mata sempre duas vezes, a segunda pelo silêncio”. É neste sentido que eu sempre considerei o racismo brasileiro “um crime perfeito”, pois além de matar de verdade, fisicamente, ele mata pelo silêncio a consciência tanto das vítimas como da sociedade como um todo, dos brancos e negros. Sem dúvida, todos os racismos são abomináveis, pois cada um a seu modo faz vítimas. O “brasileiro” não é o pior, nem o menor, comparativamente aos outros, mas a dinâmica e as consequências são diferentes."



"Resumiria o racismo brasileiro como um racismo difuso, sutil, evasivo, camuflado, silenciado em suas expressões e manifestações, porém eficiente em seus objetivos. Algumas pessoas vão até pensar que é o racismo o mais sofisticado e o mais inteligente, comparativamente aos outros. Quando se põe a questão de saber como lutar contra as práticas racistas no Brasil, ou seja, como diminuir as desigualdades de oportunidades entre brancos e negros em matéria de acesso à educação superior de boa qualidade, ao emprego e cargos de comando e responsabilidade onde estes últimos são sub-representados, esbarra-se nas mesmas ambiguidades, pois tais desigualdades não são definidas por muitos em termos racistas."


"Todos os preconceitos e as ideologias deles resultantes têm a diferença como matéria-prima: diferença de sexo ou de gênero, desemboca no machismo; diferença de nacionalidade em nacionalismo; diferença de etnia em etnicismo; diferença de vida sexual entre as pessoas do mesmo sexo em homofobismo, etc., e todos se transformam em justificação e legitimação da exclusão e da desigualdade entre seres e grupos. Como fazer para lutar contra esses “ismos” e suas consequências?"

"Todos os países conscientes que querem mudar trilham três caminhos complementares: o legislativo, o político e o educativo. O legislativo consiste em promover leis que reprimem e punem os atos discriminatórios baseados nas diferenças. O princípio da igualdade perante a lei em si não é suficiente. Por isso, qualquer ato de discriminação comprovado é, na Constituição brasileira, um crime inafiançável e sujeito à reclusão. É neste contexto que se coloca a Lei Maria da Penha e outras leis repressoras que tem a diferença como matéria-prima. O político consiste em implementar estratégias e políticas de promoção da igualdade dos discriminados, visando sua inclusão e a redução das desigualdades."


"(...)quantas vezes a gente escuta esta frase que se tornou um lugar comum: por que ensinar a história do negro e do índio num país mestiço? Por que não ensinar somente a história do Brasil que é a história de todos os brasileiros? Não seria criar um racismo ao contrário ao ensinar essas outras histórias num país mestiço? Desafiaria as pessoas que defendem este ponto de vista a encontrar no modelo de educação brasileira, as referências mestiças. Mesmo na hipótese de que “somos todos mestiços”, pois a “pureza” é um outro mito, nossa mestiçagem não caiu do céu. Suas origens precisam ser inventariadas, analisadas e ensinadas no processo de formação da cidadania brasileira. Essas raízes não são somente europeias. São também indígenas, africanas, asiáticas, ciganas, etc. Todas contribuíram de uma maneira ou de outra no processo de formação e construção do povo e da nação brasileira."

"Em alguns momentos da vida da sociedade, vocês poderão ser interpelados pela sociedade para dar seu ponto de vista enquanto estudiosos ou especialistas. Neste caso a neutralidade científica não existe, vocês não deveriam se omitir nem ficar em cima do muro como vi alguns se comportar durante o debate sobre cotas e políticas afirmativas. Ao dar nosso ponto de vista, não esqueçamos que somos cidadãs e cidadãos perpassados por visões políticas e ideológicas, por filosofias e visões do mundo que certamente influenciam nossas posições. Não caiam no maniqueísmo do Bem e do Mal imbuindo-se da autoridade acadêmico-intelectual sem considerar a demanda e o ponto de vista dos membros da comunidade que estudam."


 Um belo dia, uma jovem toupeira acorda gritando: mãe, mãe, estou enxergando! A mãe, assustada lhe responde, que maravilha, minha filha. Mas vamos testar se você está mesmo enxergando de verdade. Ela colocou na frente dela um pedaço de incenso e lhe perguntou que objeto era. A filha lhe respondeu que era uma pedra. A mãe profundamente chocada lhe disse, minha filha, você não é somente cega, pois além da cegueira, também perdeu o olfato, faculdade mais natural que guia nossa vida e sobrevivência embaixo da terra”.


   
"Moral da história: há pessoas tão presas aos preconceitos que não conseguem enxergar a riqueza da diversidade humana e cultural. Mais do que isso, essas pessoas vão até perder algumas faculdades inatas como o olfato, a audição, o tato e outras sensibilidades instintivas que passam por nossa intuição. Essas  pessoas vivem relações humanas empobrecidas, pois jamais terão o prazer de gozar dos benefícios da diversidade humana que constitui nossa riqueza coletiva e nossa sobrevivência enquanto espécie."