Numa tarde morna em algum lugar do Rio Grande do Sul...
- Cacá, vem aqui cum sua vó, minina!Olha o que eu fiz pr'ocê brincá!
- Cacá, vem aqui cum sua vó, minina!Olha o que eu fiz pr'ocê brincá!
Os olhos da moleca brilhavam como duas estrelas no céu. Que maravilha! Nunca tinha visto coisinhas tão bonitas.....pretinhas...... com trancinhas... roupas lindas e muito amor.
Vovó Ana estava rodeada de retalhos coloridos; seus olhos lacrimosos pareciam cheios de saudades...seu coração viajava por cima das nuvens aterrissando muito distante do Brasil.
Lá onde os dias eram muito quentes, quando o sol se punha, as tardes se pintavam de ouro e carmim; o Grande bordava tiras rosazuis pelo céu enquanto os pássaros carimbavam o espaço com suas silhuetas esguias desenhando formas mirabolantes que se desfaziam como fumaça.África!
Quanta saudade! O rio Oxum com suas águas claras convidava a meninada cor de ébano para o banho quente diário; o bosque chamava para brincar e correr atrás das borboletas multicoloridas...quanta beleza, quanta liberdade...
Do papai e da mamãe restaram as lembranças esculpidas nos retalhos que sobravam na casa grande; nas narinas de vó Ana estavam ainda presos os perfumes de seus abraços e beijos de adeus que ficaram distantes e pequeninos como seu coração apertado de menina. Distância...solidão...
-Você tá chorando, vovó? - perguntou a menina com sua inocência livre.
- Não, foi só um cisco que caiu no zóio, muleca!
Mas estava....pensando no amor que ficou do outro lado do mundo, que não passou de sonho, que se transformou em saudade guardada no cantinho da alma como semente hibernada...para sempre...
A menina Cacá embevecida com as preciosidades que a vovó lhe havia feito queria muito mais. Acomodando-se na fofura cândida dos braços da negra pediu:
-Vóvó, canta aquela música prá mim!
Então secando os olhos com um retalho de cetim, negra Ana desfez o nó de tristeza que lhe apertava a garganta, iluminou sua alma com a luz do seu nome e cantou com voz doce e macia:
Então secando os olhos com um retalho de cetim, negra Ana desfez o nó de tristeza que lhe apertava a garganta, iluminou sua alma com a luz do seu nome e cantou com voz doce e macia:
Eu dexei o meu amô lá munto longe
Munto além do mar
A sodade qui eu sinto é tão grande
Qui mifaiz chorá...
Quando zóio lá pro céu
Qui é infinitu
Vejo teu oiá
São estrela que mi óia e cum seu brio
Qué minfeitiçá
Ai, quem mi dera, quem mi dera
Um dia podê ti abraçá
I sinti teu coração colá nimim
I si dispará
Abraçada nas suas lembranças, Vovó Ana aconchegou em seu colo a pequena Cacá que dormiu um sono perfumado com arroz doce e canela.